Autoliderança - uma jornada espiritual

Nos últimos séculos os humanos têm sido cruéis com a vida no planeta. O paradigma mecanicista, ao dar o primado à razão e negligenciado as dimensões emocional e espiritual, não obstante os avanços que ele gerou, desencadeou uma crise sem precedentes e que pode arruinar de vez com a vida. Dentre os graves problemas da humanidade, certamente o mais crítico é falta de sentido da vida e a massificação do ser humano que perde a sua identidade e a sua razão essencial de ser.

Diante da crise instalada, emerge a consciência de que é urgente a mudança na maneira como temos vivido e, no âmbito empresarial, no modo como temos liderado. Sabe-se que é preciso investir na expansão da consciência e resgatar a inteireza humana.


Nosso objetivo é analisar como a psicologia proposta por Carl G. Jung pode contribuir para o desenvolvimento das potencialidades humanas e, conseqüentemente, para o exercício da liderança consciente. Entendendo-se líder consciente como a pessoa capaz de desenvolver a própria individualidade, libertando-se das convenções coletivas para exercer o seu poder de decisão pelo caminho a seguir; e que, ao desenvolver assim a autoconsciência e o autodomínio e ao centrar-se nos valores essenciais, consegue, através da integridade do caráter, influenciar os outros. O pressuposto é que se tornar plenamente humano é condição indispensável para se tornar um verdadeiro líder.

O acelerado processo de transformação pelo qual estamos passando em todas as esferas da vida no planeta exige uma nova postura de todas as pessoas que pretendem liderar outros para obter resultados. Os estilos de liderança que têm vigorado até o momento estão se tornando obsoletos e anacrônicos e aqueles que insistirem em conduzir seus negócios de acordo com os modelos ultrapassados perderão terreno no grande mercado e poderão ser, em algum tempo, eliminados.

Os resultados de tais estilos e a situação do mundo falam por si: em termos de coletividade observamos o meio-ambiente degradado, recursos naturais desperdiçados, desequilíbrio no ecossistema com mudanças climáticas que assustam, desrespeito à dignidade humana, miséria, fome crônica, intolerância, violência urbana etc e, quanto aos indivíduos, a unilateralidade da razão tem provocado neuroses, depressões, patologias que levam às drogas e a outros vícios, incluindo o ativismo, retratado pelo workaholic, que é viciado em trabalho, porque crê que neste mundo é preciso sempre estar ocupado, ter algo para fazer, como se fora esse o único sentido...

De todos os problemas citados e que não se esgotam nestes, talvez o mais dramático da humanidade seja a crise que tem afligido a tantos que é a perda do significado da vida. Por falta de condições dignas de vida milhões de pessoas não vêem razão para viver; e o vazio que há no coração de tantos, principalmente dos jovens, têm gerado incontáveis transtornos para eles e para toda a sociedade.

Outra face perversa deste modelo é o seu caráter massificador que anula a identidade dos indivíduos que passam a sua existência sem consciência de si mesmos e do que fazem no mundo. Vivem condicionados pela sociedade, procurando responder às convenções coletivas na suposição de que assim serão profissionais bem sucedidos, entretanto, submetidos aos ditames das convenções perdem-se na coletividade, investindo tudo o que podem na busca de poder, de prestígio, de dinheiro e se esquecem de si mesmos.

Compreendendo que o principal problema vivido nas empresas é de consciência ética, é preciso investir logo na expansão da consciência e na reflexão e vivência dos valores que podem transformar a vida das pessoas e das empresas. Urge resgatar a inteireza humana. E somente a função transcendental é capaz de reunir os fragmentos e dar ao indivíduo a consciência de sua totalidade, da sua integridade humana.

Obviamente os líderes que assumirem esta responsabilidade hão de promover a transformação e sustentar que somente através de uma gestão alicerçada em valores profundos as empresas conseguirão alavancar os seus negócios de maneira sustentável, porque envolverá todas as partes interessadas.

Registre-se, ainda, que há um grande movimento no sentido de aceitação da experiência subjetiva e da sabedoria interior como recursos essenciais à vida, contrariando todo o materialismo científico que prevaleceu até recentemente.

A mudança do modelo mental significa que se deverá aceitar como verdade que a nossa psique contém uma força, um poder, muito superior ao que imaginamos e que a simples crença de que algo existe já o faz existir. Isto é, a consciência é causal. As experiências e estudos da física quântica já o provaram. 

Implica em entender, ainda, que muito além de mudanças nos processos tecnológicos, nas teorias e conhecimentos humanos, o paradigma a que nos referimos está relacionado às dimensões mais profundas do ser humano: a espiritualidade, a sabedoria, a intuição, o amor, enfim aos valores humanos. O potencial de cada indivíduo que é capaz de elevá-lo acima das adversidades e torná-lo um agente de transformação. A metanóia, que significa a completa transformação, só acontece no interior do indivíduo, em seu espírito e é a partir de dentro que podemos realizar as mudanças no mundo.

Até agora se buscou o contínuo aperfeiçoamento da tecnologia, a reengenharia dos processos, a reestruturação das organizações, mas, pouco se fez pela transformação das mentes humanas. Se quisermos, de fato, promover uma evolução na vida humana, organizacional e planetária precisamos, antes de embelezar as estruturas externas, buscar a essência do humano.

Estou convencido de que somente havendo uma mudança de mentalidade em cada indivíduo é que poderá haver também uma mudança  no espírito das organizações e das nações. Quando nos preocuparmos mais em cuidarmos de nós mesmos, isto é, de nos tornarmos melhores como seres humanos em vez de pretender mudar os outros e querer organizar o mundo segundo as nossas percepções, certamente nos aproximaremos do ideal.

Se não nos abrirmos para a possibilidade de nos conhecermos e realizarmos esta mudança interior, por mais que isso nos incomode e nos assuste (e por isso resistimos tanto) não evoluiremos como seres humanos e, portanto, não haverá também evolução nas demais esferas.

Se não mergulharmos profundamente em nós mesmos, para tomar consciência de quem somos e identificarmos os nossos valores mais caros e as crenças que sustentam o nosso caminhar para aplicá-los também em nossa vida profissional, viveremos cada vez mais em um processo esquizofrênico agudo e crônico gerando inúmeros transtornos nos relacionamentos e nos negócios.

Se nos dispusermos, com disciplina e determinação, a trilhar o caminho do autoconhecimento e da transformação pessoal, também conseguiremos irradiar esse propósito na equipe, nas organizações e comunidades onde participamos. Como disse Mahatma Gandhi “nós devemos ser a mudança que queremos ver no mundo.”

Os novos tempos exigem que cada um de nós encontre o seu caminho singular, que  descubra a sua essência espiritual e a transforme em competência.

Tratando da questão da liderança, essa competência emerge com o desenvolvimento da sabedoria e a partir do exercício da intuição, expressa pela inovação, pela capacidade de ver além e de maneira sistêmica e transdisciplinar.  Inclui comportamentos como o cuidado com o outro, o afeto e a ternura, a empatia, qualidades que foram chamadas de femininas, que, hoje, sem elas não será mais possível inspirar e liderar uma equipe. No mercado de trabalho a criatividade será cada vez mais exigida e a capacidade de inspirar e de dar o exemplo tornam-se basilares e esses recursos interiores se farão não só necessários, mas fundamentais.

Entendemos que é verdadeiramente um líder aquele que escuta, que gera credibilidade, que inspira pela sua sabedoria e move o outro pela autoridade do seu exemplo e pela força do seu caráter, “porque o problema do mundo começa com o indivíduo”, como afirmou o mestre Jung.

Se tudo começa no indivíduo, é nele que precisa ser investido. É o coração e a alma de cada ser que precisam ser tocados porque lá no mais íntimo de cada um de nós, nas profundezas do nosso inconsciente que encontraremos as razões para os nossos comportamentos. É preciso trabalhar cada vez mais profundamente com o sistema de crenças e valores que é a base de motivação das ações humanas.

E, para os líderes em particular, será preciso extrema disposição, determinação e disciplina para submeter-se a um processo de transformação nos campos pessoal, psíquico-emocional e espiritual se quiserem que os seus seguidores estejam abertos às mudanças. O que não podemos mais admitir é exigir mudanças nos outros quando nós não mudamos a nós mesmos.

Somente poderá ser chamado de líder aquele que for capaz de liderar a si mesmo, isto é, ser capaz de viver de maneira coerente e controlando as suas emoções e seus pensamentos, canalizando-os para o bem comum. Isto é viver com consciência, ou seja, ter conhecimento do valor emocional das idéias que temos sobre os motivos de nossas ações. É como se fosse um observador que dá conta de tudo o que nos acontece

Então, muito mais que conhecimentos e habilidades técnicas o líder precisa desenvolver competências humanas. Precisa ser humano. Tornar-se humano é condição indispensável para se tornar um verdadeiro líder.

(do livro AUTOLIDERANÇA - UMA JORNADA ESPIRITUAL, Ed. Senac Rio)

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